A criação do mundo


Slow food

Não perceber a diferença entre uma “punheta de bacalhau” e a salada de bacalhau d’O Paparico é, perdoem-me a analogia, nada menos do que entender a masturbação como quintessência da sexualidade. O bicho não é desfiado, antes servido em mui generosas lascas, demolhadas com rigor alquímico e perfumadas na pureza de um azeite trasmontano destinado aos deuses, com o necessário e ponderado toque de cebola que só nos faz chorar por mais. Será na etérea simplicidade dessa entrada – ingredientes de qualidade bastam –, apenas, que podemos ler a origem nipónica da cozinheira e anfitriã, Yuko, capaz de transformar em sashimi ao gosto português o fiel amigo encardido pela salga e pela seca. Na sala, o marido, senhor Cardoso, encarna o rigor do mestre de cerimónias. O João Luiz, que há dias jantava à minha frente, vê aquilo com os olhos de homem do teatro, talvez certeiros: quase invisível na discrição, o dono mexe os cordelinhos, gerindo o tempo com distanciamento perfeccionista, de um espectáculo em que nós, que julgamos ser público, somos, afinal, os actores. Talvez sejamos, mas é nos adereços que está todo o fascínio desse demorado ritual gastronómico, não nos acessórios rústicos espalhados pelas duas salas, mas na comida. Portuguesa, simples, divina. E lenta.

Etiquetas: , ,

0 Responses to “Slow food”

Enviar um comentário



© 2006 A criação do mundo | Blogger Templates by GeckoandFly.
No part of the content or the blog may be reproduced without prior written permission.