Quando alguém quer ser a consciência moral de alguma coisa, nada é mais natural do que, aqui e ali, ver a pena fugir-lhe para a atoarda, fazendo erguer, evidentemente, vozes críticas. Porém, como é o impoluto farol dos costumes, basta-lhe dizer que está a ser alvo de ataques ad hominem para ficar de novo coberto de razão e ao abrigo de todos os que não concordem com ele. Está acima de todas as polémicas, porque determina regras do jogo que o favorecem. Ou seja, envereda por essa saloia ideia de que, apesar de o pensarmos, não podemos gritar que alguém que só diz parvoíces é parvo, porque perdemos a razão, devendo, portanto, fazer a desmontagem intelectual da parvoíce que, todavia, merece ser considerada enquanto exercício de livre pensamento e de livre expressão.
José Pacheco Pereira - que já anda a ocupar demasiado espaço neste blogue - é especialista nessa matéria, a da intocável construção intelectual da banalidade, mas é também paradigma daquilo que, na minha modesta opinião, é o mal que mais tem destruído a cidade do Porto: a desistência, no caso disfarçada com a desfaçatez que sempre envolve o exercício da cidadania à distância.
Comecemos pela desistência. Causada pelo individualismo e pela busca de oportunidades no curto prazo, sejam profissionais ou mais prosaicas, como a busca de habitação própria, leva as pessoas a sair, para a capital ou para os subúrbios. Quem quer uma carreira vai para Lisboa, quem quer uma vizinhança asséptica de classe média vai para a Maia, e por aí fora. O Porto, ainda por cima a atravessar o tempo plebeu de uma governação nada ambiciosa, vai definhando rumo ao triste destino de ruína humana. O mediático político/cronista/comentador/blogger, homem do Porto, filho de uma família vetusta que criou raízes e deixou marca na cidade, existe fora do Porto, onde regressa ocasionalmente por razões familiares ou outras, mas entende, de vez em quando, ser participante activo na discussão da cidade. Com toda a legitimidade, entenda-se, mas com a fragilidade de quem não associa a reflexão à acção. Mais difícil e legítimo, evidentemente, é ficar, pensar e participar.
Daí que a crónica do biógrafo de Cunhal, hoje dada à estampa pelo "Público" e reproduzida, com apêndices de enquadramento, no blogue "Abrupto", pouco mais não seja do que um exercício da demagogia típica dos referidos faróis moralizadores. Pacheco Pereira parece ter um relacionamento difícil com a cidade que diz amar, e nisso enquadrar-se-á a forma como lida com o "Jornal de Notícias". Baseio-me na experiência própria: das três vezes em que, profissionalmente, lhe pedi depoimentos sobre temas que estava a tratar jornalisticamente, só numa ocasião respondeu (não à solicitação mas à mensagem de email), sem o mínimo de cortesia. Das outras, não respondeu, algo que, especulando, poderei atribuir ao excesso de chá, tão pernicioso como a falta dele. Porque, evidentemente, tão eminente figura nem saberá da minha existência, pelo que seria presunção minha associar essas negas às alfinetadas que lhe dei na blogosfera, das quais, de cor, posso citar a circunstância de lhe ter chamado " saltimbanco do populismo erudito". Seria muito triste ver tão honrado filho da terra desprezar uma instituição com 120 anos, como é o JN, por causa dos arrufos dos blogues. Por outro lado, se algum outro motivo faz com que o senhor não queira falar ao JN, é uma grave falta de frontalidade não o assumir com clareza.
Como o relacionamento é desse tipo, não é de admirar que Pacheco Pereira faça comparações abusivas, associando um texto de um actual director adjunto do JN à situação vivida há 17 anos por alguém que já faleceu, pretendendo dar a imagem de que os jornais e os jornalistas portuenses vivem num estado de subserviência permanente ao F. C. Porto e a Jorge Nuno Pinto da Costa. Tal não causa espanto, repito, mas nem por isso deixa de ser repugnante. Ver alguém, com tanta firmeza, a pensar o Porto dos últimos 20 anos, o Porto onde, grosso modo, não viveu, é, pelo menos, enfastiante.
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