A criação do mundo


Volta, Guerra Fria, estás perdoada!

Enquanto unidade política, a União Europeia é falsa como a Jugoslávia de Tito, e é nos Balcãs que mais facilmente se confrontará com as fraquezas que a minam. A falta de uma posição consensual em relação à declaração unilateral de independência do Kosovo, feita hoje em Pristina, é sintomática, reforçando a ideia de que a Europa, incapaz de se construir como identidade, continua a ser uma espécie de estrutura esponjosa entalada entre as forças dos blocos dominantes, refeita que vai estando a Rússia do colapso. O orgulho que temos do processo de integração leva-nos a esquecer, quase sempre, que a Europa que somos foi impulsionada pela Guerra Fria e pela constituição de zonas de influência. Inventada pelos americanos, na medida em que o Plano Marshall foi o detonador do processo, a UE não soube, ainda, emancipar-se, permanecendo presa aos desígnios dos norte-americanos, assim embarcando numa espiral de contradições de que não há saída: o alargamento. Se a questão de Turquia é demasiado evidente, tratando-se de um elemento absolutamente estranho aos valores e à identidade da Europa, se uns e outra existem, o problema dos Balcãs é menos claro e encoberto por várias máscaras. Ou seja, se na Turquia o avanço do integralismo islâmico vai dando sinais claros, o Kosovo ainda mantém a aura de minoria oprimida que levou à intervenção da OTAN em 1999, apesar de todos os factores que criam a instabilidade endémica da região, dos étnicos aos religiosos. A obsessão ocidental pelo multiculturalismo, não sendo a génese do problema, cria terreno para que a Europa aceite ser um tabuleiro geostratégico dos Estados Unidos, sujeitando-se à iminência de uma explosão descontrolada e criando terreno para fenómenos de implosão no País Basco, na Córsega, em Chipre... Historicamente sérvio, o Kosovo foi asfixiado pela demografia e, aos olhos de muitos, é já visto naturalmente como um espaço albanês. A coisa poderia parecer normal, atendendo a que nada existe que nunca acabe e a que a mudança traça o curso natural da humanidade, mas poucos parecem querer ver que se vai encharcando com fertilizante terras carregadas de sementes de ódio. Espaço natural para o alargamento da União Europeia, ligando a Grécia a um todo territorial, a ex-Jugoslávia acarreta inúmeros perigos que dificilmente podem ser acautelados. Rancor, ódio e vingança estão sempre à espreita entre os povos que ali habitam, e a independência do Kosovo, por mais que todos o neguem, ajuda ao despertar da besta. A Rússia não quer abrir mão da influência nos Balcãs, que se vai mantendo através da Sérvia, os Estados Unidos não querem perder a possibilidade de construir ali um novo baluarte. No meio, sempre no meio, isto a que chamamos Europa. O Kosovo poderá significar mais um posto avançado do islamismo e, enquanto os EUA têm sempre um oceano de permeio, nós estamos todos ao virar da esquina.

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