Aparece-me à porta um prospector que se apresenta com a contundente credencial do Grupo Sonae. Na verdade, o que vejo é um cabide móvel de sorriso forçado, em que o fato, decerto emprestado, assenta como os sapatos do vagabundo de Chaplin, com a diferença de estes serem comestíveis. Estica-me de rompante o bacalhau, que aperto a contragosto antes de, no cumprimento da rotina habitual, dizer que não, sem lhe dar tempo de explicar ao que vinha. Começa, porém, a desbobinar a ladainha, e só passados alguns segundos o temporizador cerebral descodifica o “não”, que deve ter-lhe soado aos melhores dias do Zé Cabra. Já parado frente à minha porta, entreaberta para o cão não sair disparado a festejar a visita, parece estacar e solta um indignado “não tem?...”. Pelos vistos, a missão dele é inventariar a maquinaria digital que cada um guarda em casa, da fritadeira aos acessos à Internet. Esforçando-me por soar monocórdico, explico-lhe: “Respeito o seu trabalho, mas o que tenho ou deixo de ter não é da sua conta”. Tenta parecer descontraído, toma nota do andar como quem diz, triunfante, “estás listado” e desanda pelo patamar enquanto fecho a porta. Bem sei que esta rapaziada anda ali pelo único prazer de ganhar uns miseráveis cobres, mas não tenho paciência para a agressividade comercial das empresas. O mesmo se passa com a gente das televendas. Os da TV Cabo deixaram de me ligar, perguntando se tenho Internet em casa, a partir do momento em que, ao cabo de quatro dias consecutivos a receber mais do que uma chamada diária, assegurei que cancelaria a assinatura mal recebesse outro telefonema.
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